sábado, 3 de março de 2012

«Nunca me cansarei de reconhecer, nem de repetir, que tudo é banal e que só o banal interessa.»

(1997a: 181)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

«'nha mãe! escrevi eu de outra vez. Todos os dias apanho flores. Mas sabe que flores são? Umas florinhas de pedra que se encontram nos passeios das ruas. Vossemecê aí não pode fazer uma ideia, não há. Mas eu explico. Aqui não há caminhos, há ruas, muitas, muitas, muitas... e todas elas têm passeios dos lados. Os calceteiros, vossemecê não sabe o que são os calceteiros? cobrem-nos de brita miúda, muito certa, e batem-na como maço. Mas às vezes dá-lhes na cabeça fazer florinhas com a brita, é uma maluqueira deles! os patrões não vêem. Eu então, como ando muito, e saldo dos carros e corro seca e meca, apanho muitas dessas flores. Olhe, faço assim: ponhto o pé em cima de qualquer uma e digo: já cá estás! Chego a apanhar às sete e às oito por dia, todas novas. Os meus patrões não sabem de nada, são uns brutos, ainda eram capazes de me dar um cachação se eu contasse a eles o que faço. Andas a perder o tempo! andas a perder o tempo! Mas não ando, não senhor. Nem ao menos jogo ao botão com os outros, não sou de vícios.»

(1997a: 37-74)
«Um dia houve em que as criadas, a falar alto, esclareceram a morte daquela noite na enfermaria: tinham deitado um homem na cama de outro, sem a descarga necessária. Então? São coisas! rematavam elas. Começaram a dar ao segundo as sulfamidas que estavam a dar ao primeiro... São coisas! E uma delas, voltando ao assunto:. e é que o homem não podia estar, era por de mais, ninguém sossegou em toda a santa noite!
Que importância tinha este caso e outros? Ninguém era responsável. De quem era a culpa? Sabia-se lá! Havia morrer e viver, acabou-se!...»

(1997a: 105)
«A 50, mansamente, foi dizendo, de cabeça levantada da almofada: olhe, você não deu conta, no outro dia, a menina Adélia... eu ia-lhe a meter dez tostões na mão, e vai ela assim: guarde, guarde! dez tostões não é dinheiro... Era poucachinho, a gente bem sabe, mas o pouco também custa a ganhar, as mais das vezes até custa mais do que o muito.»

(1997a: 102-103)

terça-feira, 28 de abril de 2009


«Que pensar de quem me não escreve? Ora, que tontice... Não precisa. Só quem precisa é que busca.»

(1999: 42)


«Há muito quem gabe o gosto de partir e eu mesma já o tenho invejado. Aqui há não sei quantos anos a minha vontade era partir, ter saudades, deixar isto, não assentar o pé, ir voando. Já se sabe que era a fantasia que me levava. O mundo era pequeno e pouco para mim...
Hoje penso que partir é muito custoso. Partir é deixar um bem ou um mal, real e conhecido, pelo vago sem delimitação. Vai-se vivendo e tudo se nos vai restringindo. Aquilo que se não conhece, como será? Teremos defesa, resistência, não haverá surpresas, lutas, incapacidades de acomodação?
E aquele antepartir, aqueles dias de desarreigar, de pensar no cá e no lá!...»

(1999: 41)


«Penso às vezes que vale a pena morrer. Que fui muito pouco ditosa ou muito pouco jeitosa porque nunca soube arrumar a minha vida à feição do meu carácter. (...) Foi-se-me a idade dos contentamentos fáceis e das ilusões (...)»

(1999: 38)