quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

«'nha mãe! escrevi eu de outra vez. Todos os dias apanho flores. Mas sabe que flores são? Umas florinhas de pedra que se encontram nos passeios das ruas. Vossemecê aí não pode fazer uma ideia, não há. Mas eu explico. Aqui não há caminhos, há ruas, muitas, muitas, muitas... e todas elas têm passeios dos lados. Os calceteiros, vossemecê não sabe o que são os calceteiros? cobrem-nos de brita miúda, muito certa, e batem-na como maço. Mas às vezes dá-lhes na cabeça fazer florinhas com a brita, é uma maluqueira deles! os patrões não vêem. Eu então, como ando muito, e saldo dos carros e corro seca e meca, apanho muitas dessas flores. Olhe, faço assim: ponhto o pé em cima de qualquer uma e digo: já cá estás! Chego a apanhar às sete e às oito por dia, todas novas. Os meus patrões não sabem de nada, são uns brutos, ainda eram capazes de me dar um cachação se eu contasse a eles o que faço. Andas a perder o tempo! andas a perder o tempo! Mas não ando, não senhor. Nem ao menos jogo ao botão com os outros, não sou de vícios.»

(1997a: 37-74)